Uma reflexão sobre os desafios e transformações no branding de marcas para empresas e designers contemporâneos.

A evolução do branding na era digital é marcada por uma mudança fundamental: deixamos de projetar identidades estáticas para construir experiências vivas, mutáveis e orientadas por dados.
Empresas e designers precisam entender e se adequar ao novo cenário, pois ele impõe um desafio: repensar o papel do design gráfico na construção de valor de marca.
Branding: de símbolos fixos a sistemas dinâmicos
Historicamente, o branding era centrado em elementos fixos, como logotipo, tipografia, paleta de cores, aplicações rígidas em materiais impressos e publicidade tradicional.
A identidade visual funcionava como um selo de consistência, pensado para durar décadas, de forma estática na mente do consumidor.
Como aponta Alina Wheeler em Design de Identidade da Marca:
a identidade visual era a face mais visível de uma organização, e seu papel era representar a integridade e consistência da marca em qualquer ponto de contato.” (Wheeler, 2012).
No entanto, o surgimento das plataformas digitais: redes sociais, apps, sites responsivos, streaming; deslocou o foco da consistência para a adaptabilidade.
O design de marca, antes orientado pela rigidez do impresso, agora precisa respirar em ambientes fluidos, dinâmicos e interativos.
O branding da marca como vetor de confiança em um mundo saturado
Em um cenário onde consumidores são expostos a milhares de mensagens por dia, a marca assume o papel de atalho cognitivo e afetivo.
Ela reduz a complexidade da escolha, sinaliza valores e diferenciações, e, acima de tudo, estabelece confiança.
Esse é o versadeiro papel do branding nos tempos de hoje, gerar conexão entre consumidor e marca.
A pesquisa Meaningful Brands, da Havas Group (2023), revelou que 75% das marcas poderiam desaparecer e os consumidores não sentiriam falta.
O dado é alarmante, mas também esclarecedor: marcas relevantes hoje são aquelas que vão além do produto, elas oferecem propósito, coerência e presença significativa na vida das pessoas.
Para as empresas, isso significa que o branding deixou de ser uma função estética para tornar-se uma ferramenta de sobrevivência e competitividade.
Posicionamento, valor percebido e fidelização
Uma marca bem posicionada comunica claramente o que oferece, para quem, e por quê.
Esse posicionamento não é apenas uma frase de efeito, é uma estrutura que orienta o discurso, a estética e a estratégia da empresa.
Ele é traduzido visualmente por meio do design, mas também se manifesta no tom de voz, nas decisões de produto, na cultura organizacional e nas ações sociais.
Em mercados saturados, onde produtos são facilmente replicáveis, o valor percebido da marca pode ser mais determinante do que o valor funcional.
É por isso que empresas como Apple, Balenciaga ou Nike conseguem fidelizar públicos e justificar preços mais altos.
Estas marcas possuem um posicionamento ancorado em narrativas fortes e persuasivas, que carregam no seu storytelling um forte apelo na questão emocional para com os seus clientes.
Consumir uma dessas marcas é muito mais do que usar um simples objeto para seus usuário, pois se torna uma experiência social e um gerador de status quo.
Para pequenas e médias empresas, um branding bem executado pode ser o diferencial que transforma um negócio local em uma referência de nicho, em especial quando é bem articulado no ambiente digital.
O branding como experiência para o consumidor
Hoje, a marca é percebida mais pelo que ela faz do que pelo que ela parece ser, pois o universo virtual das redes sociais possibilitou uma amior interação e percepção do real sentido da marca.
O design entra nesse campo como articulador da experiência: da navegação ao microcopy, da animação ao som, do storytelling ao motion design. Dessa forma, o consumidor está mais crítico e busca mais do que somente estética.
O conceito de “brand experience” ganhou força nas últimas décadas, como bem analisado por Marty Neumeier em The Brand Gap:
a marca não é mais o que dizemos que é, é o que eles dizem que é” (Neumeier, 2006).
Ou seja, o controle simbólico dá lugar à construção coletiva da imagem da marca, que agora se alimenta da interação entre marca, público e cultura.
Assim sendo, para designers, isso significa abandonar a ideia de identidade como um produto final e adotá-la como um ecossistema em constante evolução.
Identidade líquida e sistemas vivos no branding da marca
Ao falarmos em identidade líquida no contexto do branding, é impossível não evocar a obra de Zygmunt Bauman, especialmente sua análise da “liquidez” como metáfora da condição contemporânea.
Em Modernidade Líquida (2000), Bauman descreve uma sociedade em que estruturas antes sólidas, como carreiras, vínculos afetivos, instituições e até identidades, se tornaram instáveis, fluídas e mutáveis.
“Na modernidade líquida, nenhuma forma permanece por tempo suficiente para se solidificar. Tudo está em fluxo.” — Zygmunt Bauman
O termo “identidade líquida”, amplamente discutido por Wally Olins em Brand New: The Shape of Brands to Come, descreve essa nova abordagem.
Neste contexto, o termpo é descrito como: identidades visuais que se adaptam ao contexto, ao canal, à linguagem local e até ao humor da audiência.
Um bom exemplo é a identidade do Google, com sua paleta mutável e elementos animados, ou a do Spotify, que adapta suas cores e tipografia de acordo com a campanha, mantendo a essência visual intacta.
Hoje, falamos em design de sistemas, não apenas de logotipos.
Designers criam gramáticas visuais, bibliotecas modulares, padrões interativos e assets de movimento, que tornam a marca expansível sem perder coerência.
O papel estratégico do designer no branding da marca
A era digital também expandiu o escopo do designer de branding.
Não basta dominar a forma, é preciso compreender comportamento, plataformas, análise de dados e jornadas do usuário.
O designer se torna um estrategista visual, alguém que conecta o propósito da marca à experiência do usuário.
Essa transformação exige atualização constante: conhecimento de UX/UI, noções de front-end, análise de métricas e entendimento profundo de cultura digital.
Como resume Debbie Millman (2007):
o design de marcas está deixando de ser sobre o que vemos para ser sobre o que sentimos, compartilhamos e vivemos”.
Empresas que entendem o valor do branding sabem que investir em marca não é apenas “gastar com estética”, mas sim construir ativos intangíveis que geram retorno a médio e longo prazo, desde a valorização de mercado até a atração de talentos e a lealdade de clientes.
É o fim do branding?
Para designers, a era digital não representa o fim do branding como conhecemos, mas sim sua expansão em novas direções.
Identidade não é mais apenas uma estética coerente, mas um sistema vivo de expressão e interação. O design, nesse contexto, é um dispositivo de mediação entre marca e mundo, entre valor simbólico e experiência sensorial.
O futuro do branding será, inevitavelmente, multidisciplinar, colaborativo e fluido. E o designer continuará sendo protagonista, desde que esteja disposto a navegar (e moldar) essas novas águas.